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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Quando a censura oculta o interesse

É lamentável, para não dizer inadmissível, que muitos daqueles que lutaram contra a ditadura, de 1964 a meados 1985, e foram censurados de forma incondicional pelo regime militar, arroguem para si próprios o papel de censor. Amordaçados pelo sistema por suas manifestações contrárias à supressão dos direitos e garantias individuais, através de composições musicais da melhor qualidade e por várias vezes transformadas em canções de amor (para camuflar o protesto nelas embutidas), Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos e outros expoentes da música nacional se voltam agora contra aqueles que querem registrar a história, convertida em biografias.
Se só agora o movimento ganhou notoriedade e maior visibilidade na mídia, com o grupo Procure Saber, encabeçado pelos “ativistas” acima citados, inclusive com artigos dos próprios autores em jornais e revistas, é preciso lembrar que ele começou lá em 2007, quando Roberto Carlos ganhou na Justiça o direito de retirar de circulação o livro do jornalista e historiador Paulo César de Araújo, “Roberto Carlos em Detalhes’, considerado uma biografia não autorizada. Antes disso, o escritor Ruy Castro, em 1995, passou por algum constrangimento quando escreveu “Estrela Solitária”, sobre a vida de Mané Garrincha, envolvendo os filhos do craque do Botafogo e da seleção brasileira, que queriam dinheiro pelo direito à publicação. A situação foi contornada. No caso do “rei”, o livro ainda está fora de circulação.
O que me motivou a escrever este artigo foi justamente uma entrevista com o próprio Roberto Carlos, veiculada no “Fantástico”, da Globo, na noite do último domingo, com visível roteiro pré-estabelecido entre as partes, em que o compositor e cantor, líder da Jovem Guarda, expôs de maneira mais branda sua posição, mostrando-se até mesmo favorável às biografias não autorizadas, desde que “fosse conversado e discutido”, entre os interessados. Ele apenas não deu argumentos sobre qual seria o conteúdo dessa conversa. Dessa discussão e, ao longo da entrevista, claramente preparada para limpar a posição antipática por ele adotada desde 2007, acabou ficando implícito que o maior obstáculo estava nas cifras monetárias. Mais ou menos assim: o biografado autoriza sua “biografia não autorizada”, mas quer participação nos lucros sobre sua comercialização.
Ficou claro, entretanto, que ele não falou pelo movimento, mas em seu próprio nome. Mesmo porque outros integrantes do “Procure Saber” também foram procurados, mas não se manifestaram, entrando naquele seleto grupo que “se lixa” para a opinião pública, embora estejam no seu direito ao silêncio. Está claro, porém, que o País precisa evoluir nesse tipo de relação, por que tem uma Constituição Federal, que garante a livre expressão do pensamento e tudo o mais que dela advir, que precisa ser respeitada.
A censura que a ditadura militar impôs a jornalistas, intelectuais, escritores e compositores, entre tantos outros formadores de opinião, era ideológica. E por isso, odiosa. A mordaça que hoje tenta calar esse mesmo segmento e atenta contra a liberdade de expressão é financeira. Muito mais odiosa ainda.

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