As andanças de um universitário paulista pelos sertões do Piaui,
suas conversas com o escritor Cândido Carvalho Guerra e um livro
recuperado
Em 1978 participei do Projeto Rondon, Operação
Nacional PRO-20, no distante município de Corrente, do Piauí. Mais
distante ainda por que tínhamos que subir até Teresina, a capital do
Estado para, posteriormente, descer até o sul, no sertão piauiense. Era
preciso fazer parada obrigatória por lá, mesmo por que não havia estrada
que chegasse até Corrente, pelo norte de Pernambuco, o que seria bem
mais próximo.
Foi uma das últimas operações nacionais do Projeto
Rondon, naqueles moldes, à região. Mesmo por que estávamos indo para lá,
para aliviar a barra do projeto, por que um ano antes, em 1977, os
universitários paulistas que lá estiveram, se perderam no planejamento e
deixaram muitas jovens grávidas, o que comprometeu a imagem do Projeto
Rondon, ainda uma instituição militarista e resquício da ditadura, para
prover a falta de investimentos e serviços nos municípios mais
longínquos e menos desenvolvidos do país.
Durante os trinta dias que
lá estivemos, de janeiro a fevereiro daquele ano, tivemos problemas. Eu
e outro universitário, um estudante de Economia da Unicamp, quase fomos
expulsos do Rondon, por que questionávamos as ações que não nos eram
permitidas realizar.
Foram momentos tensos, resolvidos pela
coordenação da operação, mas que não apagaram o intuito apenas
propagandista da iniciativa. Enfim, foi uma experiência das mais
proveitosas que tive. Em todos os sentidos. Desde o de reforçar minha
oposição ao regime militar e sua atitude clientelista até a minha
própria formação profissional e, principalmente, minha posição de
questionar veementemente a tudo do qual eu discordava. Mas toda
experiência, mesmo que contrária às nossas ideologias, é e deve ser
encarada como indispensável à nossa formação humana. E foi o que
aconteceu.
Fiz essa pequena introdução para relatar uma das mais
incríveis experiências que tive, durante todo aquele mês de janeiro em
Corrente. Além da aproximação do povo, extremamente receptivo, mesmo por
tudo o que aconteceu no ano anterior, a acolhida que tivemos foi muito
boa. Não criamos vínculos, por que o tempo era curto, mas fizemos
amizades interessantes e reveladoras. No meu caso, uma especial: a do
escritor Cândido Carvalho Guerra, à época com 57 nos de idade - quase o
meu tempo de vida hoje - com quem conversava quase todos os finais de
tarde, após o jantar no hotel contratado para nos oferecer as refeições,
quase defronte à sua residência. Rua Desembargador Amaral, se não me
falha a memória, mas era uma das principais da cidade, longa, e que
passava pela agência do Banco do Brasil. Ali, sentados em cadeiras na
varanda ou no interior de uma ampla sala, discutíamos sobre literatura e
política e, também de nossas percepções sobre o mundo. Ele com sua
experiência e vivência, além do profundo conhecimento do sofrimento do
nordestino e uma vasta cultura e eu, jovem, idealista, mas interessado
também em dar minha contribuição para acabar com a situação pela qual
passava a maioria dos brasileiros, em especial aquela região do país, à
qual saúde e educação, principalmente, eram artigos de luxo e só levadas
às castas mais nobres daqueles municípios, paupérrimos, muitos, mas
cujo povo era, apesar de sofrido, trabalhador. Ao contrário do que se
espalha, hoje, pelas redes sociais (impensáveis à época), no mais odioso
ranço de intolerância e preconceito.
Enfim, tivemos longas e
proveitosas conversas. Fiz, inclusive, uma longa entrevista com ele,
cujos originais devem estar perdidos por alguma das minhas gavetas. Ou,
talvez, nem existam mais. E, durante uma das primeiras conversas, ganhei
dele um livro de sua autoria, “Do Calcinado Agreste ao Inferno Verde”,
onde ele relata a saga de dois homens que deixam o município de Curimatá
que, por coincidência é sua terra natal, para tentar a vida e ganhar
dinheiro em outras paragens, para o sustento da família. Não vou contar a
história toda, mas sim a do livro. Trouxe para cá o livro autografado e
com dedicatória, datada de janeiro de 1978, depois de lê-lo com
carinho, ainda durante as noites no alojamento do Projeto. Trouxe-o e
guardei como verdadeira relíquia, até emprestá-lo a um amigo ainda na
universidade, o qual, infelizmente não me retornou mais o exemplar.
Em recente conversa com minha filha, Lia, lembrei-me do livro e do nome
e pedi-lhe que o procurasse em algum site de compras. E ela achou. Um
único exemplar, numa livraria do Rio de Janeiro. Comprei-o
imediatamente. Por R$ 19,00 e mais as taxas de envio. Livro que me foi
entregue, via Correio, uma semana depois. Desgastado pelo tempo, mas não
menos atrativo. E com uma dedicatória. Não era meu exemplar, mas parei
de respirar quando li o primeiro nome, começava com Antônio, assim como o
meu. Cândido Carvalho Guerra dedicou-o ao escritor Antônio Leite Pessoa
e a data do autógrafo era 6/4/1980. Li-o novamente. E muito mais rápido
que a primeira vez e também com outro entendimento. O que me trouxe à
lembrança aquele 1978, distante já 37 anos, e as conversas noturnas que
tive com Cândido Carvalho Guerra, que se ainda estiver vivo está com 94
anos. Quem sabe.
Consegui contanto com um jornalista, de lá, Alessandro Guerra, o mesmo sobrenome do escritor, do portalodia.com
e em breve diálogo solicitei-lhe alguma informação. E mesmo se tinha
algum parentesco com ele. Ainda estou esperando um retorno sobre a
consulta. Quanto a essa história, resolvi compartilhá-la nesta página.
Quem sabe alguém, em algum lugar, tenha notícias de Cândido Carvalho
Guerra. Qualquer uma que seja, já que ele também faz parte de minha
história.
segunda-feira, 11 de maio de 2015
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário