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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Do Calcinado Agreste ao Inferno Verde

As andanças de um universitário paulista pelos sertões do Piaui, suas conversas com o escritor Cândido Carvalho Guerra e um livro recuperado

Em 1978 participei do Projeto Rondon, Operação Nacional PRO-20, no distante município de Corrente, do Piauí. Mais distante ainda por que tínhamos que subir até Teresina, a capital do Estado para, posteriormente, descer até o sul, no sertão piauiense. Era preciso fazer parada obrigatória por lá, mesmo por que não havia estrada que chegasse até Corrente, pelo norte de Pernambuco, o que seria bem mais próximo.
Foi uma das últimas operações nacionais do Projeto Rondon, naqueles moldes, à região. Mesmo por que estávamos indo para lá, para aliviar a barra do projeto, por que um ano antes, em 1977, os universitários paulistas que lá estiveram, se perderam no planejamento e deixaram muitas jovens grávidas, o que comprometeu a imagem do Projeto Rondon, ainda uma instituição militarista e resquício da ditadura, para prover a falta de investimentos e serviços nos municípios mais longínquos e menos desenvolvidos do país.
Durante os trinta dias que lá estivemos, de janeiro a fevereiro daquele ano, tivemos problemas. Eu e outro universitário, um estudante de Economia da Unicamp, quase fomos expulsos do Rondon, por que questionávamos as ações que não nos eram permitidas realizar.
Foram momentos tensos, resolvidos pela coordenação da operação, mas que não apagaram o intuito apenas propagandista da iniciativa. Enfim, foi uma experiência das mais proveitosas que tive. Em todos os sentidos. Desde o de reforçar minha oposição ao regime militar e sua atitude clientelista até a minha própria formação profissional e, principalmente, minha posição de questionar veementemente a tudo do qual eu discordava. Mas toda experiência, mesmo que contrária às nossas ideologias, é e deve ser encarada como indispensável à nossa formação humana. E foi o que aconteceu.
Fiz essa pequena introdução para relatar uma das mais incríveis experiências que tive, durante todo aquele mês de janeiro em Corrente. Além da aproximação do povo, extremamente receptivo, mesmo por tudo o que aconteceu no ano anterior, a acolhida que tivemos foi muito boa. Não criamos vínculos, por que o tempo era curto, mas fizemos amizades interessantes e reveladoras. No meu caso, uma especial: a do escritor Cândido Carvalho Guerra, à época com 57 nos de idade - quase o meu tempo de vida hoje - com quem conversava quase todos os finais de tarde, após o jantar no hotel contratado para nos oferecer as refeições, quase defronte à sua residência. Rua Desembargador Amaral, se não me falha a memória, mas era uma das principais da cidade, longa, e que passava pela agência do Banco do Brasil. Ali, sentados em cadeiras na varanda ou no interior de uma ampla sala, discutíamos sobre literatura e política e, também de nossas percepções sobre o mundo. Ele com sua experiência e vivência, além do profundo conhecimento do sofrimento do nordestino e uma vasta cultura e eu, jovem, idealista, mas interessado também em dar minha contribuição para acabar com a situação pela qual passava a maioria dos brasileiros, em especial aquela região do país, à qual saúde e educação, principalmente, eram artigos de luxo e só levadas às castas mais nobres daqueles municípios, paupérrimos, muitos, mas cujo povo era, apesar de sofrido, trabalhador. Ao contrário do que se espalha, hoje, pelas redes sociais (impensáveis à época), no mais odioso ranço de intolerância e preconceito.
Enfim, tivemos longas e proveitosas conversas. Fiz, inclusive, uma longa entrevista com ele, cujos originais devem estar perdidos por alguma das minhas gavetas. Ou, talvez, nem existam mais. E, durante uma das primeiras conversas, ganhei dele um livro de sua autoria, “Do Calcinado Agreste ao Inferno Verde”, onde ele relata a saga de dois homens que deixam o município de Curimatá que, por coincidência é sua terra natal, para tentar a vida e ganhar dinheiro em outras paragens, para o sustento da família. Não vou contar a história toda, mas sim a do livro. Trouxe para cá o livro autografado e com dedicatória, datada de janeiro de 1978, depois de lê-lo com carinho, ainda durante as noites no alojamento do Projeto. Trouxe-o e guardei como verdadeira relíquia, até emprestá-lo a um amigo ainda na universidade, o qual, infelizmente não me retornou mais o exemplar.
Em recente conversa com minha filha, Lia, lembrei-me do livro e do nome e pedi-lhe que o procurasse em algum site de compras. E ela achou. Um único exemplar, numa livraria do Rio de Janeiro. Comprei-o imediatamente. Por R$ 19,00 e mais as taxas de envio. Livro que me foi entregue, via Correio, uma semana depois. Desgastado pelo tempo, mas não menos atrativo. E com uma dedicatória. Não era meu exemplar, mas parei de respirar quando li o primeiro nome, começava com Antônio, assim como o meu. Cândido Carvalho Guerra dedicou-o ao escritor Antônio Leite Pessoa e a data do autógrafo era 6/4/1980. Li-o novamente. E muito mais rápido que a primeira vez e também com outro entendimento. O que me trouxe à lembrança aquele 1978, distante já 37 anos, e as conversas noturnas que tive com Cândido Carvalho Guerra, que se ainda estiver vivo está com 94 anos. Quem sabe.
Consegui contanto com um jornalista, de lá, Alessandro Guerra, o mesmo sobrenome do escritor, do portalodia.com e em breve diálogo solicitei-lhe alguma informação. E mesmo se tinha algum parentesco com ele. Ainda estou esperando um retorno sobre a consulta. Quanto a essa história, resolvi compartilhá-la nesta página. Quem sabe alguém, em algum lugar, tenha notícias de Cândido Carvalho Guerra. Qualquer uma que seja, já que ele também faz parte de minha história.

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