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terça-feira, 27 de maio de 2014

Nosso irreversível complexo de vira-latas

As cidades que receberão seleções para a Copa do Mundo no Brasil já respiram os ares do maior torneio de seleções do planeta, que tem início dentro de exatos 16 dias, num clima ainda de incertezas quanto ao alcance das manifestações do grupo do “Não vai ter Copa” (com erro gramatical e tudo mais). Vai haver Copa, sim. Disso ninguém tem dúvida. Acredito que até os próprios organizadores dos protestos, que pedem educação, saúde e segurança padrão Fifa (reivindicações mais do que justas), numa alusão ao dinheiro gasto nos estádios e obras periféricas, já se conformaram com isso. É bom que fique bem claro que esse “padrão Fifa” refere-se única e exclusivamente ao dinheiro investido – o maior volume oriundo dos cofres públicos – para atender aos caprichos dos senhores Joseph Blatter e Jérôme Valcke. Não se pode imaginar, porém, que se confunda com os padrões de comportamento dos “donos da bola”, que transformarão as arenas e seus entornos em pequenas ditaduras constituídas de regras próprias, as quais, muitas delas, afrontam a própria Constituição Federal.
Abriu-se demais a legislação brasileira às vontades da Fifa, em vez de negociar com equilíbrio, para evitar que a entidade máxima do futebol se transformasse num governo paralelo, interferindo inclusive no direito de ir e vir do cidadão. O País e seus cidadãos deveriam, sim, não ter compartilhado do derramamento do leite lá atrás, quando foram dados os primeiros chutes nos baldes, com a candidatura do Brasil. A partir do momento da escolha do País como sede mundial do futebol, entretanto, o governo cometeu um grande pecado, o de não ter dado início imediato aos trâmites burocráticos para todas as obras necessárias, evitando correria, e muitas delas inconclusas ou paralisadas. Apostou-se na última hora como prazo final, proporcionando uma elevação exagerada nos custos iniciais previstos, abrindo então as portas aos protestos que devem, sim, causar desconforto aos organizadores durante o torneio. E transtornos à população.
E até mesmo essas manifestações, contrárias à realização do evento, ficaram para a última hora, quando tudo já estava definido e não havia mais volta possível. E percebe-se nelas, também, um esvaziamento, à medida em que se aproxima a data de abertura da Copa, em 12 de junho, o que não tira, entretanto, a legitimidade das críticas até aqui expostas. Como ficou tarde para lamentações, o mínimo que se espera de todo o brasileiro é que os turistas que vêm para assistir aos jogos sejam bem recebidos e bem tratados, pois não têm nenhuma culpa nesse imbróglio, cujo anúncio foi aplaudido e elogiado – e muito – lá em 2007, pelos baba-ovos de plantão. É hora de pensar no que se pode fazer daqui para frente, sem politizar a tradicional competição esportiva, pensando nos votos de mais adiante. Não vai aumentar o porcentual de um, e nem tirar o de outro. A história do país de chuteiras ficou lá atrás, ainda nos tempos da ditadura. E é tarde, também, para assumir o “complexo de vira-latas”, que ainda teima em fazer parte do imaginário nacional.

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