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terça-feira, 15 de março de 2011

A mídia e o foco único

Assistindo ao Fantástico, no domingo, depois de acompanhar noticiários de outras emissoras e também pela mídia impressa sobre o terrível evento no Japão, comecei a refletir sobre o nosso papel, enquanto comunicadores, e a incrível e indisfarçável aptidão que temos ao foco único. Vejamos. Um terremoto seguido de um tsunami devasta a costa leste do Japão, causa milhares de mortes - ainda incontadas - e outras tantas vítimas continuam desaparecidas. Destrói cidades inteiras e põe em risco boa parte do sistema energético japonês, abastecido por usinas nucleares, que também sofreram os efeitos da catástrofe e agora ameaçam com outra: a possibilidade de vazamento de radiação dos reatores superaquecidos e expostos. Tragédia que abalou a comunidade internacional, provocando grande comoção.
É , justificadamente e pela própria grandiosidade do acontecido, pauta de momento da mídia mundial. Mídia que não consegue, entretanto, dosar coberturas e vai repetindo imagens, recontando histórias, produzindo os mesmos recortes e chavões, que chegam a causar mal-estar até mesmo nos acostumados a lidar com notícias dessa natureza; até mais chocantes. Nós jornalistas não somos carniceiros, mas agimos como tal em algumas oportunidades. A repetição exaustiva banaliza o fato.
Enquanto isso, uma outra tragédia, até dias atrás também foco único dessa mesma mídia, vai exterminando centenas, talvez até milhares de pessoas, agora esquecidas pelos desertos, enquanto a lama inunda as telas de tvs, sites noticiosos e capas de jornais e revistas. Estou falando da Líbia, de Muammar Gaddafi, que deve estar se deliciando com a catástrofe que abalou a terra do sol nascente, tirando-lhe do alvo da cobertura midiática, enquanto vai patrocinando sua chacina particular, dizimando seus contrários, revoltosos e cansados pela falta de liberdade e de oportunidades, simplesmente por conta de seu egocentrismo.
É preciso, toda vez que fatos dessa natureza aconteçam, fazermos uma autocrítica da nossa própria atuação, enquanto formadores de opinião. Está nos faltando - a nós jornalistas e aos próprios meios de comunicação - bom senso e sobrando oportunismo. As mazelas humanas sempre rendem longas coberturas - sensacionalistas, às vezes - e garantem audiência à mídia eletrônica e boa vendagem à impressa. Não podemos mediar a dor da nação japonesa; nem simplesmente tirar-lhe o foco instantaneamente. Temos, porém, condições de conter um banho de sangue na Líbia, se soubermos dividir esse foco com as agruras do país do sanguinário Gaddafi. Um reconhecimento oportuno ao erro do foco único, que ainda não aprendemos a corrigir. Se é que vamos corrigi-lo um dia!

Antonio Claudio Bontorim

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