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terça-feira, 14 de setembro de 2010

O espírito da liberdade

Revivi, neste domingo, um ritual que não experimentava há muito tempo. O da visita ao Salão Internacional do Humor de Piracicaba. No 37º ano de sua existência e sua atual edição. Confesso que fiquei emocionado ao perceber que o humor continua sua caminhada crítica ao cotidiano de cada um de nós. Nas suas mais variadas formas, estilos e discursos - do dia a dia do cidadão comum à política, este último sempre muito real. Caricaturas ótimas, tiras cáusticas (apesar de não gostar de vê-las numa mostra dessa natureza), charges inteligentes e a lembrança dos velhos mestres, num quadro bastante expressivo, que mostra de Ziraldo a Zélio, passando por Fortuna, Borjalo e pelo argentino Aragonés, que empresta seu talento à revista MAD. Estes sempre atuais. Nunca esquecidos, felizmente!
Nesse processo de humor criativo e analítico, chama à atenção a mostra especial do cartunista Glauco, morto recentemente por um fanático infeliz, que com certeza de humor nada entendia. Lá estão Geraldão, Geraldinho, o Casal Neuras, Dona Marta e seus "Boys", Zé do Apocalipse, para lembrar alguns. Os melhores dos melhores, com toda seriedade que essa arte nos reserva, apesar de seu objetivo de nos fazer refletir e rir. Rir muito até mesmo das nossas desgraças e infortúnios.
No Salão do Humor o território é livre. Tudo é permitido, nada é pernicioso. E viajando nas galerias, onde os artistas expõem sua explícita capacidade de fazer graça com a realidade, percebemos o caráter libertário da mostra, que nasceu ainda no auge dos anos de chumbo, como forma de criticar a censura e aos desmandos da caserna, representados na truculência de homens em tons verde-oliva. A alma dessa proposta ainda está lá. Se sente esse processo de catarse com a história dessas quase quatro décadas. O espírito da liberdade nos acompanha em cada quadro, soprando aos nossos ouvidos que é preciso preservá-la, sempre!
Acompanhei in loco o período crítico do início do Salão. E o olhar atento - às vezes assustado - de muitos visitantes, ao protesto daqueles que tingiam o papel de nanquim, guache e aquarela, para mostrar que tinha gente morrendo nos porões da ditadura militar. Ou zombar, com rara inteligência, da ignorância e brutalidade daqueles que se achavam os senhores da verdade. Lutar pelo direito à liberdade de expressão do pensamento, na escrita ou na arte, é um dever de todos nós, que detemos as ferramentas para isto. Não esmorecer ou baixar guarda, nem pensar. Não se pode subestimar o silêncio do inimigo. Ele é sempre perigoso.

Antonio Claudio Bontorim

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