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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Entre o discurso e a prática, o corporativismo

Não dá ainda para esperar mudanças, quando as semelhanças ficam mais evidentes do que as coincidências e o discurso muda de lado, conforme a conveniência. São exemplos que vêm de cima para baixo e desencadeiam um processo automático de atrelamento, difícil de reverter, comprometendo o necessário equilíbrio que deveria existir entre as forças políticas de um país, estado ou município. Entre oito e oitenta, a probabilidade de se ficar com a segunda opção é concreta, à mesma proporção do domínio de um determinado grupo sobre outro. É interessante notar como é tênue, quase inexistente, a linha que separa a situação e a oposição, quando a segunda se transforma na primeira. E vice-versa. Os papéis se invertem na prática, mas o discurso é igual. Em alguns casos, só muda mesmo de boca. Palavras por palavras vão fluindo e, pronunciadas em sentido e contexto, servem para fazer um exercício de imaginação com um simples fechar de olhos. O ouvinte não conseguirá distinguir de que lado o discurso está partindo, se não conhecer o timbre de voz de seu autor.
Com o fim da ditadura militar (e da unilateralidade da fonte oficial, que não permitia o contraditório, sob ameaças que todos já conhecem) e a retomada da democracia, a expectativa de um embate equilibrado simplesmente desceu pelo ralo, à medida em que os governantes também não queriam – como ainda não querem - ser contrariados ou ter suas prerrogativas postas em jogo. Se, com os generais no poder, a base aliada era composta por fardas e coturnos, na volta dos civis ao poder não mudou muito. Apenas as alianças partidárias trocaram o verde oliva por paletó e gravata. A prática, entretanto, continua a mesma.
De Sarney, que herdou o mandato de Tancredo Neves antes de sua posse como presidente eleito (ainda pelo voto indireto), aos poucos todos foram fomentando bases políticas obedientes, com uma briguinha aqui e uma discussãozinha lá, apenas por questões inerentes à própria vaidade humana, porém, sem comprometer seriamente seus governos. Prova disso é que o único a ter seu mandato questionado foi justamente Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente civil eleito pelo voto direto pós-ditadura, que, ao não cooptar o Poder Legislativo, ficou sem aliados e impedido de continuar, justamente pelo Congresso Nacional, onde ele não soube conduzir a prática da “boa vizinhança”, atendendo aos interesses de deputados e senadores da República.
Com a ascensão de Itamar Franco, entrou em cena a política do “toma lá, dá cá”, que não foi abandonada mais. Vieram Fernando Henrique Cardoso e Lula, com dois mandatos cada, e Dilma Rousseff, se preparando para o segundo, os quais, sem sobressaltos, souberam conduzir suas alianças à mais pura subserviência, das quais também ficaram reféns. Se os discursos foram acalorados e distintos em campanhas eleitorais acirradas, no trono do rei tudo se igualou. Deixaram as alianças ideológicas de lado para conquistar as fisiológicas, mais interessantes e de fácil domínio. 
Por isso não me surpreende mais que, aqueles que vociferavam contra as improbidades e defendiam ações éticas com a necessária ênfase, venham a público com a mesma prática que tanto abominavam. Como escrevi em minha coluna de domingo, o Ronei de ontem é o Zé da Mix de hoje. Discursos alinhados em tudo. Só houve uma troca de lado, ditada pelo corporativismo. Se fosse o contrário, seria a mesma lenga-lenga.

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